quinta-feira, 12 de abril de 2012

Pesquisadores das expressões faciais e analistas do comportamento: o diálogo entre eles é possível?

[ texto originalmente publicado no site: http://www.comportese.com/2012/04/pesquisadores-das-expressoes-faciais-e.html ]



Estudos sobre as expressões faciais podem ser facilmente encontrados na literatura científica. No entanto, praticamente inexistem trabalhos que as relacionem à Análise do Comportamento. Logo, surge a seguinte dúvida: se o ato de se expressar por meio da face é um tipo de comportamento, por que aparentemente não há diálogo entre pesquisadores da expressão facial e cientistas do comportamento? O presente texto objetiva tentar encontrar uma solução para esta dúvida e propor uma primeira aproximação entre as áreas.


O Zeitgeist Behaviorista e o Estudo das Expressões Faciais

A resposta a esta pergunta pode ter um caráter histórico. Os primeiros estudos sobre expressões faciais remontam ao trabalho do neurofisiologista francês Duchenne, que já no século XIX investigava o movimento dos músculos da face em resposta a estimulação elétrica. Este trabalho (Duchenne, 1862/1990), por sua vez, influenciou fortemente o pensamento de Charles Darwin acerca da universalidade das expressões faciais, como pode ser observado na obra “The Expression of the Emotion in Man and Animals” (1872/1998). Após Darwin, o estudo das expressões faciais recebeu pouca atenção por parte da psicologia e o tema foi deixado de lado até a década de 1960, quando, conforme dito na matéria anterior, os trabalhos de Tomkins, Izard e Ekman atraíram novamente os holofotes para a área.


Erika Rosenberg, uma renomada pesquisadora no campo das expressões faciais e da emoção, aponta o vigor e a aceitação do behaviorismo frente à comunidade científica norte-americana da época como um dos principais fatores responsáveis pela diminuição do interesse pelo tema. Segundo ela, “O Zeitgeist behaviorista e sua rejeição evidente do estudo dos ‘inobserváveis’, tais como as emoções, certamente contribuiu para a escassez de pesquisas sobre expressões faciais durante várias décadas.”¹ (Rosenberg, 2005, p.11). 

A afirmação acima não pode ser tomada como verdadeira sem que antes seja feita a ressalva de que o behaviorismo a qual ela se refere é o Behaviorismo de Watson – que, via de regra, só confere caráter científico àquilo que pode ser acessado por observação consensual. De qualquer forma, a citação é bastante representativa, pois revela o motivo da não aproximação entre os estudiosos da expressão facial e os behavioristas. Certamente o conflito girava em torno do estudo da emoção, e não propriamente da expressão facial. 

O tempo passou, o behaviorismo evoluiu e ganhou uma nova face: a de Skinner. O Behaviorismo Radical adotou uma linha diferente da concepção de Watson e outros behavioristas, porque incluiu as emoções, sentimentos ou pensamentos (eventos privados) na análise científica (Tourinho, 1987). Normalmente, os críticos desavisados da obra de Skinner reproduzem os mesmos julgamentos que ele próprio fez, há mais quatro décadas, ao modelo de Watson (Moreira & Medeiros, 2007). A posição skinneriana apresenta divergências fundamentais em relação aos primeiros pontos de vista comportamentais, o que leva a uma visão totalmente diferente do objeto de estudo. O fato do ponto de vista de Skinner ter aparecido sob o rótulo de behaviorismo foi um “acidente da história” (Chiesa, 1994/2006). 

Tudo leva a crer que tal acidente – a extensão errônea das características dos behaviorismos anteriores ao behaviorismo radical – pode ter sido um dos fatores responsáveis pela falta de diálogo e de interação entre os pesquisadores das expressões faciais e os analistas do comportamento contemporâneos, que já haviam demarcado o limite de seus terrítórios. 


Considerações finais 

Expressar-se através da face é uma forma de se comportar. Determinadas configurações faciais, que normalmente receberam o nome de emoções, nada mais são do que classes de respostas nomeadas por uma comunidade verbal. Tanto os cientistas das expressões faciais, quanto os analistas do comportamento analisam seu objeto de estudo em relação a topografia e a função em determinado contexto. Não é preciso ir muito além para concluir que o estudo do COMPORTAMENTO FACIAL como um todo pode se beneficiar sobremaneira se estes dois grupos de cientistas, que normalmente trabalham de forma independente, unirem esforços em prol de um objetivo comum. 


¹Tradução do autor: “The Zeitgeist of behaviorism and its blatant rejection of the study of “unobservables” such as emotion certainly contributed to the dearth of research on facial expressions for several decades.” (Rosenberg, 2005, p.11). 


Referências

Chiesa, M. (2006). Behaviorismo radical: A filosofia e a ciência. Brasília: Celeiro. 

Darwin, C. (1998). The expression of the emotions in man and animals (3rd ed.). New York: Oxford University Press. 

Duchenne, G. (1990). The mechanism of human facial expression. New York: Cambridge University Press. 

Moreira, M. B., & Medeiros, C. A. (2007). Princípios básicos de análise do comportamento. Porto Alegre: Artmed. 

Rosenberg, E. L. (2005). The study of spontaneous facial expression in psychology. In: P. Ekman, & E. L. Rosenberg, What the face reveals: Basic and applied studies of spontaneous expression using the facial action coding system (FACS) (pp. 3-18). New York: Oxford University Press. 

Tourinho, E. Z. (1987). Sobre o surgimento do behaviorismo radical de Skinner. Psicologia , 13 (3), 1-11.

domingo, 11 de março de 2012

O Estudo do Comportamento Facial Humano




“Ainda bem que foi produzida aquela série, porque ajuda a amplificar todos esses conhecimentos na área da expressão facial da emoção.” 

Essas palavras foram extraídas da entrevista concedida pelo professor Freitas-Magalhães – diretor do Laboratório de Expressão Facial da Emoção da Universidade Fernando Pessoa em Portugal – e exibida no programa Porto Alive. A série à qual ele se refere é a produção norte-americana Lie To Me, que mostra as investigações de uma equipe formada por especialistas em detectar mentiras a partir da leitura de gestos e microexpressões faciais. Mas isso é possível? Segundo o próprio Freitas-Magalhães, isso é possível e cientificamente comprovado. Ele acrescenta que a parte científica da série está assegurada porque conta com a consultoria de Paul Ekman, considerado um dos cientistas mais destacados na área da expressão facial. O presente texto objetiva aproximar o leitor ao estudo das expressões faciais da emoção.



Panorama histórico do estudo das expressões faciais (EF’s) 

De acordo com Freitas-Magalhães (2011), o percurso da investigação da expressão facial da emoção pode ser dividido em três fases: 1) identificação e caracterização da estrutura dos movimentos faciais; 2) análise da função das EF’s; 3) percepção das implicações e promoção da aplicação dos estudos em diferentes contextos sociais (ex.: saúde, educação e justiça). 

Para Ekman (1999), a discussão a respeito da expressão facial da emoção ser universal ou ser específica de cada cultura começou a mais de 100 anos atrás, a partir da obra The Expression of the Emotion in Man and Animals de Charles Darwin, originalmente publicada em 1872. As evidências obtidas por Darwin a favor da universalidade das EF’s derivaram das respostas das cartas endereçadas a ingleses que estavam em diferentes partes do mundo. Eles afirmaram ter observado em terras estrangeiras as mesmas expressões da emoção que conheciam na Inglaterra, o que levou Darwin a dizer: "Segue-se, a partir das informações assim adquiridas, que o mesmo estado mental é expresso em todo o mundo com notável uniformidade (...)"

Após Darwin, a psicologia depositou pouca atenção ao estudo das expressões faciais. Erika Rosenberg (2005) alega que eventos ocorridos nas décadas de 1960 e 70 foram os responsáveis por atrair novamente o interesse pelo tema. Ela destaca, entre outros eventos, uma teoria do afeto proposta por Silvan Tomkins (1962), que colocava a face como local onde se manifestam as emoções; e os trabalhos transculturais sobre o reconhecimento das expressões faciais da emoção realizados por Ekman (Ekman, Sorenson, & Friesen 1969; Ekman & Friesen, 1971) e Izard (1971). 


Que emoções a face revela? 

Segundo Ekman & Friesen (2003), o método utilizado para determinar quais emoções podem ser verificadas na face humana tem sido apresentar fotografias e solicitar que observadores nomeiem as emoções verificadas nas fotos. O pesquisador, então, analisa as respostas e determina o grau de concordância na definição das emoções associadas às EF’s. Com base nos resultados obtidos, pode-se chegar a uma conclusão acerca de quais emoções a face é capaz transmitir. 

Nos últimos anos, pesquisadores que analisaram o comportamento facial conseguiram rotular com precisão seis configurações faciais associadas às emoções: alegria, tristeza, raiva, medo, surpresa e nojo. Provavelmente, existem outros displays faciais que sinalizam emoções, como a vergonha ou excitação, mas eles ainda não foram firmemente estabelecidos (Ekman & Friesen, 2003). Estudos subsequentes (Ekman & Friesen, 1986) apontaram para a classificação de uma sétima expressão facial da emoção: o desprezo. Esta ainda não foi inserida no hall das expressões básicas devido a algumas particularidades que não a discriminam plenamente do nojo e a raiva.


A expressão facial da emoção é a mesma para todos os povos, ou é específica de cada cultura? 

Darwin disse que a expressão facial da emoção é biologicamente determinada e, portanto, universal. Produto da evolução do homem, não da cultura. Diversos autores discordaram dessa afirmação, no entanto descobertas científicas resolveram essa questão de forma conclusiva. Elas demonstraram que as EF’s de pelo menos algumas emoções (alegria, tristeza, raiva, medo, surpresa e nojo) são de fato universais, embora existam diferenças em relação a normas culturais para sua exibição (Ekman & Friesen, 2003).

Em um experimento (Ekman, 1972), filmes que induziam estresse foram mostrados a estudantes universitários dos EUA e do Japão. Cada sujeito assistiu ao filme parte do tempo sozinho e outra parte acompanhado do assistente da pesquisa. Os movimentos faciais de cada sujeito foram registrados em vídeo e depois mensurados. Os dados revelaram que, quando sozinhos, americanos e japoneses emitiram EF’s virtualmente idênticas, mas quando acompanhados, os japoneses disfarçaram a expressão de emoções desagradáveis bem mais que os americanos. Este estudo concluiu que a característica universal da expressão facial é a sua configuração distinta para cada uma das seis emoções básicas. No entanto, pessoas de várias culturas diferem em relação à maneira como foram ensinadas a exibir suas EF’s em determinados contextos sociais.

Ekman & Friesen (2003) nos contam que apesar das evidências encontradas, a universalidade das expressões faciais ainda não podia ser totalmente comprovada. Uma brecha nos estudos poderia ter dado margem a questionamentos. Afinal, as pessoas estudadas certamente já tiveram algum contato com filmes ou revistas estrangeiras, de onde poderiam ter aprendido determinadas poses. A única forma de solucionar esse entrave seria estudar pessoas de culturas visualmente isoladas, que nunca tiveram contato com qualquer produto estrangeiro. No intuito de atingir esse critério, Ekman conduziu uma série de experimentos com tribos isoladas da Nova Guiné. Suas pesquisas também concluíram que, embora o display facial para cada emoção básica fosse comum a todas as pessoas, existem convenções culturais que estabelecem diferentes regras para o comportamento facial em público. O estudo também mostrou que diferentes coisas eliciam diferentes emoções em diferentes culturas – por exemplo, pessoas de diversas localidades sentem nojo ou medo em resposta a coisas específicas.

Pesquisas também se estenderam a outro tipo de população visualmente isolada. Os cegos congênitos. Matsumoto & Willingham (2009) realizaram um estudo inovador, em que examinaram fotos de vários atletas de judô tiradas nos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Atenas em 2004 e, a partir daí, compararam as EF’s de competidores cegos e não cegos. O resultado foi que todos os competidores revelaram a mesma expressão em resposta a vitória ou a derrota. Os dados reafirmaram a universalidade da expressão facial da emoção e lançaram uma nova luz acerca de como os humanos aprendem a ajustar sua expressão facial em contextos sociais específicos. Os autores demonstraram que a habilidade de controlar as expressões não é aprendida apenas visualmente. A evidência para esta afirmação foram os “sorrisos polidos”, emitidos por atletas que não ganharam a medalha desejada, durante a cerimônia de premiação.





Considerações finais

Para finalizar, é necessário enfatizar a enorme importância do estudo da emoção. Segundo Ekman (Emotions Revealed, 2003), as emoções podem substituir o que muitos psicólogos consideram os motivos fundamentais que dirigem nossas vidas: fome, sexo e o impulso de sobrevivência. Algumas pessoas podem se recusar a comer se tiverem nojo da única fonte de alimento disponível. Outros podem evitar o contato ou interromper a atividade sexual devido à interferência de emoções como medo, ansiedade, nojo, raiva, entre outras. E a desesperança pode motivar o suicídio. Em suma, a emoção pode triunfar sobre a fome, o sexo e a própria vida.

Ser capaz de detectar emoções a partir das EF’s, analisando-as contextual e funcionalmente, é ter a oportunidade de operar sobre o seu ambiente a partir do reconhecimento de estímulos discriminativos (ou deltas). É ter a oportunidade de impactar positivamente sobre sua própria vida e sobre a vida das pessoas que o cercam: familiares, amigos, colegas de trabalho, alunos, pacientes... 



¹ Tradução do autor: [“It follows, from the information thus acquired, that the same state of mind is expressed throughout the world with remarkable uniformity (...)”.]


Referências 

Darwin, C. (1998). The expression of the emotions in man and animals (3rd ed.). New York: Oxford University Press. 

Ekman, P. (2003). Emotions revealed: Recognizing faces and feelings to improve communication and emotional life. New York: Times Books. 

Ekman, P. (1999). Facial Expression. In: T. Dalgleish, & M. Power, Handbook of cognition and emotion (pp. 301-320). New York: John Wiley & Sons Ltd. 

Ekman, P. (1972). Universals and cultural differences in facial expressions of emotion. In: J. Cole, Nebraska Symposium on Motivation (Vol. 19, pp. 207-283). Lincoln: University of Nebraska Press. 

Ekman, P., & Friesen, W. V. (1986). A New Pan-Cultural Facial Expression of Emotion. Motivation and Emotion , 10 (2), pp. 159-168. 

Ekman, P., & Friesen, W. V. (1971). Constants across cultures in the face and emotion. Journal of Personality and Social Psychology , 17, 124-129. 

Ekman, P., & Friesen, W. V. (2003). Unmasking the face: A guide to recognizing emotions from facial expressions. Cambridge: Malor Books. 

Ekman, P., Sorenson, E. R., & Friesen, W. V. (1969). Pan-cultural elements in facial displays of emotions. Science , 164, 86-88. 

Freitas-Magalhães, A. (2011). O Código de Ekman. Porto: Edições Universidade Fernando Pessoa. 

Izard, C. E. (1971). The face of emotion. New York: Appleton-Century-Crofts. 

Matsumoto, D., & Willingham, B. (2009). Spontaneous Facial Expressions of Emotion of Congenitally and Noncongenitally Blind Individuals. Journal of Personality and Social Psychology , 96, pp. 1-10. 

Rosenberg, E. L. (2005). The Study of Spontaneous Facial Expression in Psychology. In: P. Ekman, & E. L. Rosenberg, What the face reveals: Basic and applied studies of spontaneous expression using the facial action coding system (FACS) (pp. 3-18). New York: Oxford University Press. 

Tomkins, S. S. (1962). Affect, imagery, consciousness. New York: Springer.